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sábado, 21 de maio de 2016

Kit de detecção de mentiras de Carl Sagan

Como prometido na postagem anterior sobre o livro o mundo assombrado pelos demônios de Carl Sagan, trago o fenomenal KDD (kit de detecção de mentiras). Esse kit é basicamente uma coletânea das falácias mais comuns usadas pela pseudociência ou mesmo em política e filosofia. Ele foi proposto por Sagan no livro mencionado acima dentro do capitulo a arte refinada de detectar mentiras.



Como já mencionei na postagem anterior, o kit é um verdadeiro artefato de utilidade pública. Ele segue o raciocínio lógico e cético para demonstrar porque certos tipos de argumentos são inválidos ou falsos. E muitas vezes em nosso dia a dia acabamos reproduzindo ou criando esses tipos de argumentos, claro, somos humanos e temos falhas. Por isso, o kit serve tanto para detectarmos as nossas falhas como também as dos outros. Importante salientar uma coisa: o kit deve ser usado de forma racional e para o bem. Pessoas maliciosas podem usar do próprio kit pra mascarar as falácias ao invés de refuta-las. Além disso, pode acontecer de a paixão por certas ideias nos tornar cegos para certas falácias. O kit é universal, não existe ideia que seja imune a ele. Devemos usar o kit para refutar também as nossas crenças. Lembrando: Não é proibido ter crenças, mas devemos no mínimo testa-las e se soubermos que é inválida nunca devemos compartilha-la como se fosse uma verdade ou semelhante, afinal, é apenas uma crença. 

Sabe aquelas discussões de Facebook? Pois é, após ler cada falácia você percebera que elas são mais frequentes do que se imagina. Vamos compartilhar o kit para que ele possa ser usado por todos e assim tenhamos discussões e debates mais racionais, ao invés de maliciosos. 

Vou transcrever do modo que foi escrito na tradução feita pela Companhia das Letras.
Façam bom uso do Kit.

O Mundo Assombrado pelos Demônios, Carl Sagan; 

capitulo: A Arte Refinada de Detectar Mentiras


Ferramentas ou "o que devemos fazer"

  1. Sempre que possível deve haver confirmação independente dos "fatos"
  2. Devemos estimular um debate substantivo sobre evidências, do qual participarão notórios partidários de todos os pontos de vista. 
  3. Os Argumentos de autoridade tem pouca importância -- as "autoridades" cometeram erros no passado. Voltarão a comete-los no futuro. Uma melhor forma de expressar essa ideia é talvez dizer que na ciência não existem autoridades; quando muito, há especialistas.
  4. Devemos considerar mais de uma hipótese. Se alguma coisa deve ser explicada, é preciso pensar em todas as maneiras diferentes pelas quais poderia ser explicada. Depois devemos pensar nos testes que poderiam servir para invalidar sistematicamente cada uma das alternativas. O que sobreviver, a hipótese que sobreviver a todas as refutações nessa seleção darwiniana entre as "múltiplas hipóteses eficazes", tem uma chance muito melhor de ser a resposta correta do que se tivéssemos simplesmente adotado a primeira ideia que prendeu nossa imaginação.
  5. Devemos tentar não ficar demasiado ligados a uma hipótese só por ser nossa. É apenas uma estação intermediária na busca do conhecimento. Devemos perguntar por que a ideia nos agrada. Devemos compara-la imparcialmente com as alternativas. Devemos verificar se é possível encontrar razões para rejeita-la. Senão, outros o farão. 
  6. Devemos quantificar. Se o que estiver sendo explicado é passível de medição, de ser relacionado a alguma quantidade numérica. seremos muito mais capazes de discriminar entre as hipóteses concorrentes. O que é vago e qualitativo é suscetível de muitas explicações. Há certamente verdades a serem buscadas nas muitas questões qualitativas que somos obrigados a enfrentar, mas encontrá-las é mais desafiador. 
  7. Se há uma cadeia de argumentos, todos os elos na cadeia devem funcionar (inclusive a premissa) -- e não apenas a maioria deles.
  8. A navalha de Occam. Essa maneira prática e conveniente de proceder nos incita a escolher a mais simples dentre duas hipóteses que explicam os dados com igual frequência.
  9. Devemos sempre perguntar se a hipótese pode ser, pelo menos em princípio, falseada. As proposições que não podem ser testadas ou falseadas não valem grande coisa. Considere-se a ideia grandiosa de o nosso Universo e tudo o que nele existe é apenas uma partícula elementar -- um elétron, por exemplo -- num Cosmos muito maior. Mas, se nunca obtemos informações de fora do nosso Universo, essa ideia não se torna impossível de ser refutada? Devemos poder verificar as afirmativas. Os céticos inveterados devem ter a oportunidade de seguir o nosso raciocínio, copiar os nossos experimentos e ver se chegam ao mesmo resultado. 

Falácias ou "o que não devemos fazer"

  1. ad hominen -- expressão latina que significa "ao homem". quando atacamos o argumentador e não o argumento (por exemplo: A reverenda dra. Smith é uma conhecida fundamentalista bíblica, por isso não precisamos levar a sério suas objeções à evolução);
  2. argumento de autoridade (por exemplo: O presidente Richard Nixon deve ser reeleito porque ele tem um plano secreto para pôr fim à guerra no Sudeste da Ásia -- mas, como era secreto, o eleitorado não tinha meios de avaliar os méritos do plano; o argumentador se reduzia a confiar em Nixon porque ele era o presidente: um erro, como se veio a saber);
  3. argumento das consequências adversas (por exemplo: Deve existir um Deus que confere castigo e recompensa, porque, se não existisse, a sociedade seria muito mais desordenada e perigosa -- talvez até ingovernável. Ou: O réu de um caso de homicídio amplamente divulgado pelos meios de comunicação deve ser julgado culpado; do contrário, será um estímulo para outros homens matarem as suas mulheres);
  4. apelo à ignorância -- a afirmação de que qualquer coisa que não provou ser falsa deve ser verdade, e vice-versa (por exemplo: Não há evidência convincente de que os UFOs não estejam visitando a terra; portanto, os UFOs existem -- e há vida inteligente em outros lugares no Universo. Ou: talvez haja setenta quadrilhões de outros mundos, mas não se conhece nenhum que tenha o progresso moral da Terra, por isso ainda somos o centro do Universo). Essa impaciência com a ambiguidade pode ser criticada pela expressão: a ausência de evidência não é evidência da ausência;
  5. alegação especial, frequentemente para salvar uma proposição em profunda dificuldade teórica (por exemplo: Como um Deus misericordioso pode condenar as gerações futuras a um tormento interminável só porque, contra suas ordens, uma mulher induziu um homem a comer uma maça? Alegação especial: Você não compreende a doutrina sutil do livre-arbítrio. Ou: Como pode haver um Pai, um Filho e um Espírito Santo igualmente divinos na mesma Pessoa? Alegação especial: Você não compreende o mistério da Santíssima Trindade. Ou: Como Deus permitiu que os seguidores do judaísmo, cristianismo e islamismo -- cada um comprometido a seu modo com medidas heroicas de bondade e compaixão -- tenham perpetrado tanta crueldade durante tanto tempo? Alegação especial: Mais uma vez você não compreende o livre-arbítrio. E, de qualquer modo, os movimentos de Deus são misteriosos);
  6. petição de princípio, também chamada de supor a resposta (por exemplo: Devemos instituir a pena de morte para desencorajar o crime violento. Mas a taxa de crimes violentos realmente cai quando é imposta a pena de morte? Ou: A bolsa de valores caiu ontem por causa de um ajuste técnico e da realização de lucros por parte de investidores. Mas há alguma evidência independente do papel causal do "ajuste" e da realização de lucros? Aprendemos realmente alguma coisa com essa pretensa explicação?);
  7. seleção de observações, também chamada de enumeração das circunstâncias favoráveis, ou, segundo a descrição do filósofo Francis Bacon, contar os acertos e esquecer os fracassos (por exemplo: Um Estado se vangloria do presidente que gerou, mas se cala sobre seus assassinos quem matam em série);
  8. estatística dos números pequenos -- falácia aparentada com a seleção das observações (por exemplo: "Dizem que uma dentre cada cinco pessoas é chinesa. Como é possível? Conheço centenas de pessoas e nenhuma delas é chinesa. Atenciosamente". Ou: Tirei três setes seguidos. Hoje a noite não tenho como perder);
  9. compreensão errônea da natureza estatística (por exemplo: O presidente Dwight Eisenhower expressando espanto e apreensão ao descobrir que metade de todos os norte-americanos tem inteligência abaixo da média);
  10. incoerência (por exemplo: Prepare-se prudentemente para enfrentar o pior na luta com um potencial adversário militar, mas ignore parcimoniosamente projeções científicas sobre perigos ambientais, porque elas não são "comprovadas". Ou: Atribua a diminuição da expectativa de vida na antiga União Soviética aos fracassos do comunismo há muitos anos, mas nunca atribua a alta taxa de mortalidade infantil nos Estados Unidos (no momento, a taxa mais alta das principais nações industriais) aos fracassos do capitalismo. Ou: Considere razoável que o Universo continue a existir para sempre no futuro, mas julgue absurda a possibilidade de que ele tenha duração infinita ao passado);
  11. non sequitur -- expressão latina que significa "não se segue" (por exemplo: A nossa nação prevalecerá, porque Deus é grande. Mas quase todas nações querem que isso seja verdade; a formulação alemã era "Gott mit uns"). Com frequência, os que caem na falácia non sequitur deixaram simplesmente de reconhecer as possibilidades alternativas;
  12. post hoc, ergo propter hoc -- expressão latina que significa "aconteceu após um fato, logo foi por ele causado" (por exemplo, Jaime Cardinal Sin, arcebispo de Manila: "Conheço [...] uma moça de 26 anos que aparenta sessenta porque ela toma a pílula [anticoncepcional]". Ou: Antes de as mulheres terem o direito de votar, não havia armas nucleares);
  13. pergunta sem sentido (por exemplo: O que acontece quando uma força irresistível encontra um objeto imóvel? Mas se existe uma força irresistível, não pode haver objetos imóveis, e vice versa); 
  14. exclusão do meio termo, ou dicotomia falsa -- considerando apenas os dois extremos num continuum de possibilidades intermediárias (por exemplo: Claro, tome o partido dele; meu marido é perfeito; eu estou sempre errada. Ou: Ame o seu país ou odeie-o. Ou: Se você não é parte da solução, é parte do problema);
  15. curto prazo versus longo prazo -- um subconjunto da exclusão do meio-termo., mas tão importante que o separei para lhe dar atenção especial (por exemplo: Não temos dinheiro para financiar programas que alimentam crianças mal nutridas e eduquem garotos em idade pré-escolar: Precisamos urgentemente tratar do crime nas ruas. Ou: Por que explorar o espaço ou fazer pesquisa de ciência básica, quando temos tantas pessoas sem teto?);
  16. declive escorregadio, relacionado à exclusão do meio-termo (por exemplo: Se permitirmos o aborto nas primeiras semanas de gravidez, será impossível evitar o assassinato de um bebê no final da gravidez. Ou, inversamente: Se o Estado proíbe o aborto até o nono mês, logo estará nos dizendo o que fazer com nossos corpos no momento da concepção);
  17. confusão de correlação e causa (por exemplo: Um levantamento mostra que é maior o número de homossexuais entre os que tem curso superior do que entre os que não o possuem; portanto, a educação torna as pessoas homossexuais. Ou: Os terremotos andinos estão correlacionados com as maiores aproximações do planeta Urano; portanto, -- apesar da ausência de correlação desse tipo com respeito ao planeta Júpiter, mais próximo e mais volumoso -- o planeta Urano é a causa dos terremotos);
  18. espantalho -- caricaturar uma posição para tornar mais fácil o ataque (por exemplo: Os cientistas supõem que os seres vivos simplesmente se reuniram por acaso -- uma formlação que ignora propositalmente a ideia darwiniana central, de que a natureza se constrói guardando o que funciona e jogando fora o que não funciona. Ou -- isso é também uma falácia curto prazo/longo prazo -- os ambientalistas se importam mais anhingas e corujas pintadas do que com gente);
  19. evidência suprimida, ou meia verdade (por exemplo: Uma "profecia" espantosamente exata e muito citada do atentado contra o presidente Reagan é apresentada na televisão, mas -- detalhe importante -- foi gravada antes ou depois do evento? Ou: Esses abusos do governo pedem uma revolução, mesmo que não se possa fazer uma omelete sem quebrar ovos. Sim, mas será uma revolução que causará muito mais mortes do que o regime anterior? O que sugere a experiência de outras revoluções? Todas as contra regimes opressivos são desejáveis e vantajosas para o povo?);
  20. palavras equívocas (por exemplo, a separação dos poderes na Constituição norte-americana especifica que os Estados Unidos não podem travar guerra sem uma declaração do Congresso. Por outro lado, os presidentes detêm o controle da política externa e o comando das guerras, que são potencialmente ferramentas poderosas para que sejam reeleitos. Portanto, os presidentes de qualquer partido político podem ficar tentados a arrumar disputas, enquanto desfraldam a bandeira e dão outros nomes às guerras -- "ações policiais", "incursões armadas", "ataques de reação protetores", "pacificação", "salvaguarda dos interesses norte-americanos" e uma enorme variedade de "operações", como a "Operação da Causa Justa". Os eufemismos para a guerra são um dos itens de uma ampla categoria de reinvenções da linguagem para fins políticos. Talleyrand disse: "Uma arte importante dos políticos é encontrar novos nomes para instituições que com seus nomes antigos se tornaram odiosas para o público").

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