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sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Qual legado deixa o mais médicos?

No dia 14 deste mês, o governo de Cuba declara em pronunciamento que está decidindo encerrar a sua participação no programa mais médicos. A justificativa envolveu as ameaças que o presidente eleito, Bolsonaro, vinha fazendo ao programa. 

Contudo, Bolsonaro vinha mudando o tom em relação ao mais médicos. Ele que já chegou a duvidar do nível de conhecimento e habilidade dos médicos cubanos, no mesmo dia twitou sobre "os impactos negativos na vida e saúde dos brasileiros". Ora, parece que Bolsonaro ainda não se decidiu se o programa era bom ou não para o país. Me parece que ele apenas busca sair dessa história como o bonzinho diante da saída "irresponsável" do malvado governo cubano. Mesmo assim fico um pouco desapontado com a medida brusca tomada pelo governo caribenho. Pelo visto nenhuma medida de negociação foi tentada, e tomaram a decisão antes mesmo do novo presidente assumir e de fato tentar implementar as mudanças defendidas.


E o que Bolsonaro queria mudar no programa?

Em seu plano de governo divulgado ainda antes das eleições, o pequeno trecho abaixo tratava do programa mais médicos. Ele defendia que os médicos apenas sejam aceitos caso fossem aprovados no exame de revalida (REVALIDA, em caixa alta, peculiarmente). Além disso, exigia que os salários dos médicos fossem pagos de forma integral, sem parte ficar para o governo de Cuba como acontece. 

Mas, afinal, o que era o mais médicos?

O programa mais médicos foi criado em 2013, sob o governo de Dilma Rousseff. Dentre os pontos da legislação que pode ser acessada aqui, quero destacar alguns para evitar as mentiras ditas aí pela internet. Vou trata-los um por um comentando logo depois:
§ 1º A seleção e a ocupação das vagas ofertadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil observarão a seguinte ordem de prioridade:
    • I - médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma revalidado no País, inclusive os aposentados;
    • II - médicos brasileiros formados em instituições estrangeiras com habilitação para exercício da Medicina no exterior; e
    • III - médicos estrangeiros com habilitação para exercício da Medicina no exterior.

Ou seja, o programa sempre priorizou pela participação de médicos brasileiros. Logo, a ideia de criação do programa "mais médicos brasileiros" não faz muito sentido. Os brasileiros apenas não demonstraram interesse em ir trabalhar nas áreas mais afastadas dos grandes centros urbanos.

§ 3º O primeiro módulo, designado acolhimento, terá duração de 4 (quatro) semanas, será executado na modalidade presencial, com carga horária mínima de 160 (cento e sessenta) horas, e contemplará conteúdo relacionado à legislação referente ao sistema de saúde brasileiro, ao funcionamento e às atribuições do SUS, notadamente da Atenção Básica em saúde, aos protocolos clínicos de atendimentos definidos pelo Ministério da Saúde, à língua portuguesa e ao código de ética médica. 

§ 4º As avaliações serão periódicas, realizadas ao final de cada módulo, e compreenderão o conteúdo específico do respectivo módulo, visando a identificar se o médico participante está apto ou não a continuar no Projeto.
Então, os médicos vindos do programa precisavam passar por um curso de 160 horas e ainda serem aprovados em avaliações seriadas.

§ 1º São condições para a participação do médico intercambista no Projeto Mais Médicos para o Brasil, conforme disciplinado em ato conjunto dos Ministros de Estado da Educação e da Saúde:
  • I - apresentar diploma expedido por instituição de educação superior estrangeira;
  • II - apresentar habilitação para o exercício da Medicina no país de sua formação; e
  • III - possuir conhecimento em língua portuguesa, regras de organização do SUS e protocolos e diretrizes clínicas no âmbito da Atenção Básica.
E, inclusive, os médicos aceitos pelo programa possuem apenas um visto de 3 anos anos, podendo ser renovado mas não transformado em permanente.  É por isso que são chamados de "intercambistas".
Art. 18. O médico intercambista estrangeiro inscrito no Projeto Mais Médicos para o Brasil fará jus ao visto temporário de aperfeiçoamento médico pelo prazo de 3 (três) anos, prorrogável por igual período em razão do disposto no § 1º do art. 14, mediante declaração da coordenação do Projeto. 
Isso explica um pouco a não necessidade do revalida. Estes médicos estão vindo sob caráter de urgência, para preencher a deficiência médica que muitas regiões do Brasil enfrentam. E não só para os cubanos mas para qualquer estrangeiro. 

Outro ponto interessante: § 1º O quantitativo de médicos estrangeiros no Projeto Mais Médicos para o Brasil não poderá exceder o patamar máximo de 10% (dez por cento) do número de médicos brasileiros com inscrição definitiva nos CRMs.

Quanto custa para o Brasil? 

Todos os artigos usados estão nas referências no final da postagem. Pesquisei em alguns artigos quais os benefícios que os médicos do programa recebiam e encontrei essa tabela de 2014:


Descrição do custo dos componentes do Mais Médicos, Brasil, 2014

Custo estimado do Mais médicos à nação, 2014

É um programa caro (1 bilhãozinho de dólares)? Sem dúvidas, mas a saúde nunca foi barata.


E qual o legado deixado? Vamos agora brincar com os dados

De acordo com esse mesmo artigo das tabelas acima, que foi publicado este ano, 50 milhões de pessoas são atendidas pelo PMM (programa mais médicos). O aumento percentual médio do número de médicos nos municípios foi de 76%, sendo o Norte e o Nordeste as regiões mais favorecidas, com aumentos de 123% e 110% respectivamente. Podemos observar esses aumentos no gráfico abaixo:

Aumento percentual na densidade de médicos após a implementação do programa mais médicos, Brasil, 2014

Em outro artigo encontrei o seguinte gráfico que também é bastante interessante, relacionando a disposição nacional das faculdades de medicina com as áreas beneficiadas pelo PMM. Mais uma vez mostrando o benefício para as regiões Norte e Nordeste. 




Cubanos corresponderam a 79.1% do total de médicos filiados ao programa. Este que também contava com médicos de 47 outras nacionalidades. E agora um mapa mostrando os países participantes do programa:

Países de origem (exercício profissional) dos médicos participantes do Projeto Mais Médicos para o Brasil. 

De acordo com os dados do SIMM (Sistema Integrado de Informação do Mais Médicos), foram um total de 8.469 médicos participantes em 27 estados e 2.857 municípios. Nesse site é possível consultar os dados para cada município de interesse. Interessante dar uma olhada. Dos 374 dos municípios que não tinham um médico sequer antes do PMM, 148 agora possuem. 

Trouxe mais um gráfico, sobre a média de médicos por habitantes no Brasil ao longo dos anos. Em janeiro de 2018 foram registrados 452.801 médicos, o que corresponde à razão de 2,18 médicos por mil habitantes. Não tenho certeza se esses dados englobam os médicos admitidos pelo PMM.


Mas o problema não está necessariamente na média do país como um todo, está na distribuição, como vemos nesse gráfico abaixo, trazendo as médias por regiões federais:


E a situação fica ainda pior quando analisamos a distribuição por capitais versus municípios do interior:




Conclusão

O PMM foi um importante programa humanitário emergencial para suprir as áreas do país com carência de médicos, com seu encerramento, fica a dúvida de como essa deficiência será resolvida. Contudo, faço um apelo contra aqueles que demonizam os médicos brasileiros que simplesmente não querem ir para o interior trabalhar nas áreas carentes. Ora, não podemos forçar ninguém a trabalhar contra a vontade. É muito difícil abandonar família e uma perspectiva de carreira nos grandes centros urbanos. Então como será resolvido esse problema? "Ah, é só dar bons salários aos médicos que forem pro interior", um salário maior do que o atual de quase 10.000 reais? e de onde virá esse dinheiro? O país não está em boa situação financeira, o problema não é tão simples assim. Bom não sei o que fazer, é realmente uma péssima notícia para a população.  

E como fica a questão de o Governo Cubano receber parte dos salários dos médicos? Bom, a verdade é que Cuba está vendendo um serviço terceirizado, exportando sua mão de obra médica. É um negócio que dá lucro para o país. Não vou aqui fazer o julgamento se isso está certo ou errado, mas precisamos entender que os médicos decidem participar de forma voluntária, não são obrigados e sabem das condições impostas. 
Qualquer questionamento ou crítica, sejam bem vindos à sessão de comentários.

Fontes:

  1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/11/14/bolsonaro-diz-que-cuba-nao-aceitou-condicoes-para-continuar-no-programa-mais-medicos.ghtml 
  2. https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/11/duvido-que-queriam-ser-atendidos-por-cubanos-diz-bolsonaro-a-jornalistas.shtml
  3. http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/propostas-de-candidatos
  4. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12871.htm
  5. Silva, Everton Nunes daet al. Cost of providing doctors in remote and vulnerable areas: Programa Mais Médicos in Brazil. Revista Panamericana de Salud Pública [online]. 2018, v. 42 [Accessed 16 November 2018] , e11. Available from: <https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.11>. Epub 28 May 2018. ISSN 1680-5348. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.11
  6. Oliveira Felipe Proenço de, Vanni Tazio, Pinto Hêider Aurélio, Santos Jerzey Timoteo Ribeiro dos, Figueiredo Alexandre Medeiros de, Araújo Sidclei Queiroga de et al . Mais Médicos: um programa brasileiro em uma perspectiva internacional. Interface (Botucatu)  [Internet]. 2015  Sep [cited  2018  Nov  16] ;  19( 54 ): 623-634. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832015000300623&lng=en.  http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014.1142.
  7. https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2018/11/14/cuba-mais-medicos-erros-acertos/
  8. https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=27509:2018-03-21-19-29-36&catid=3

terça-feira, 16 de outubro de 2018

A importância de saber economia na hora de votar

Em  meio a tantas propostas de reformas, como a da previdência, a tributária, e a trabalhista, eu percebi que simplesmente não dá pra ser um eleitor consciente sem saber de economia. Então comecei a ler sobre o assunto. O resultado foi extraordinário. 

Comecei a ler livros sobre economia e já sinto que minha mente se abriu de uma forma inimaginável. Agora estou enxergando toda a sociedade de uma forma completamente diferente. Tenho até receio de estar sofrendo do efeito de Dunnin-Kruger, em que pessoas que sabem pouco sobre um assunto já agem como se fossem expert nele. Sabendo disso, tento me conter em discussões pra não acabar falando besteira (mas de qualquer forma costumo acabar falando e tendo de me retratar depois).

Realmente, essa sensação de se sentir superior a quem não sabe muito sobre economia é bem perigosa, por isso venho tentado estimular todos ao meu redor (a famosa "bolha política") a também se  interessar sobre o assunto. As discussões agora podem alcançar novos níveis de profundidade. A maioria das pessoas que argumentam contra as reformas ditas acima, e até quanto a polêmica emenda constitucional 95 de 2016, o fazem por argumentos dos mais diversos tipos, mas raramente levando em conta os aspectos econômicos. Eu mesmo assim o fazia e agora estou procurando ler e entender mais do assunto para tecer criticas válidas aos projetos, ou mesmo passar a concordar com eles.

Estou tentando extrapolar meus princípios cientifico-metódicos às demais áreas do conhecimento. Tentando trazer um pouco mais de pragmatismo às discussões, como que simulando uma forma de experimentação. Com os focos dos resultados sempre sendo o bem coletivo. 

Claro que além da economia, ainda são necessárias as discussões sociais. Uma não vai substituir a outra, na verdade as duas andam juntas. Qualquer espectro de posicionamento político leva em conta as opiniões sociais e as econômicas. Mesmo assim, já ouvi de muitas pessoas que "a economia é muito mais importante para o país do que as propostas sociais". E de verdade não entendo essa necessidade de ter que escolher uma mais importante. E, na verdade, as pessoas que dizem isso são justamente as que não se consideram ameaçadas pelas políticas - ou possíveis políticas - sociais do estado. 

É isso, vou continuar lendo e trazendo textos para compartilhar meus aprendizados. Também gosta de economia e quer recomendar livros ou conhecimentos? A sessão de comentários está logo ai abaixo, sejam todos bem vindos a comentar. 

sábado, 6 de outubro de 2018

A quebra da patente do sofosbuvir

O sofosbuvir é uma droga registrada pela Gilead sciences (um laboratório americano) e aprovada pela FDA (Food and Drug Administration - EUA) em 2013, e pela EMA (Agência Europeia de Medicamentos) em 2014. Ensaios clínicos demonstraram que tratamentos incluindo essa nova droga conseguiram taxas sustentadas de respostas virológicas em 90% dos casos, em vários grupos de pacientes, contrastando com os 56% atingidos pelas antigas terapias.

sábado, 21 de maio de 2016

Kit de detecção de mentiras de Carl Sagan

Como prometido na postagem anterior sobre o livro o mundo assombrado pelos demônios de Carl Sagan, trago o fenomenal KDD (kit de detecção de mentiras). Esse kit é basicamente uma coletânea das falácias mais comuns usadas pela pseudociência ou mesmo em política e filosofia. Ele foi proposto por Sagan no livro mencionado acima dentro do capitulo a arte refinada de detectar mentiras.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

O mundo assombrado pelos demônios e o ensino da ciência

Já tinha ouvido falar bastante sobre esse livro. Queria ler mas estava um pouco difícil de achar nas livrarias. Toda vez que ia em alguma eu procurava feito um louco na esperança de achar. Os livros de bolso da Companhia das letras até nem são difíceis de encontrar numa livraria. Geralmente eles tem uma estante própria, o que não acontece com os demais livros sobre ciência. A maioria das livrarias -- pelo menos as que conheço, com exceção de uma -- não possuem uma sessão específica para livros de ciência, eles geralmente ficam espalhados pela loja.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Fosfoetanolamina aprovada

Recentemente, dia 14 de Abril, Dilma sancionou a lei que permite a distribuição e uso da fosfoetanolamina, a suposta "pílula do câncer". O problema é que a pílula ainda não foi passou pelos testes necessários para ser aprovada como remédio.